domingo, 27 de abril de 2008

Dominica: Futebol na terra dos papagaios


No começo de 2008, um jogo válido pela Copa da Inglaterra chamou a atenção tanto pelo surrealismo quando pela surpresa: jogando em casa, o fortíssimo time do Liverpool entrava em campo contra o Havant & Waterlooville, da sexta divisão. O que tornou o jogo ainda mais surpreendente foi o fato de o time visitante ter ficado por duas vezes à frente do marcador. No final, o Liverpool venceu a partida por 5 a 2.

Esse fato não teria a menor relevância para Dominica salvo por um detalhe: um dos principais jogadores do Havant, Richard Pacquette, é dominicano. Filho de imigrantes residentes na Inglaterra, decidiu defender a seleção caribenha desde o início de sua carreira futebolística. Foi dele o primeiro gol do jogo, provocando incredulidade em muitos torcedores do Liverpool espalhados pelo mundo.

Em fevereiro e março de 2008, Dominica entrou em campo para disputar as eliminatórias da Copa de 2010. No primeiro jogo, disputado em casa, a seleção dominicana empatou por 1 a 1 com Barbados, depois de sair na frente com o mesmo Pacquette. Na partida de volta, Barbados ganhou por apenas 1 a 0 e se classificou para jogar a próxima fase das eliminatórias contra a seleção norte-americana. Tendo em vista que na seleção barbadiana alguns jogadores têm experiência internacional, atuando na Europa e na América do Norte, o resultado foi considerado bom pelos dominicanos.

Das disputas com os índios aos papagaios

Descoberta na segunda viagem de Colombo à América, a ilha de Dominica foi assim batizada pelo fato de ter sido encontrada em um domingo (Dominica, em latim). Logo após a descoberta, no entanto, os conquistadores espanhóis preferiram não priorizar sua colonização em função de seu relevo acidentado e da agressividade dos índios arauaques.

Dois séculos depois da descoberta de Dominica, os franceses, que já dominavam as ilhas vizinhas de Guadalupe e Martinica, resolveram colonizar o local, pois era grande o interesse estratégico em dominar aquela parte do Caribe. No entanto, os arauaques seguiam impedindo os europeus de fixar residência em Dominica, resultando num isolamento completo até meados do século XVIII, quando a França cedeu o domínio da colônia à Inglaterra, como parte de um tratado de paz assinado entre os dois países.

Apesar da colonização inglesa, o domínio do estilo francês na arquitetura e nas ruas dos vilarejos da ilha é visível, pelas casas com motivos coloridos e fachadas simples. Como legado dos ingleses, ficou o idioma oficial e o gosto dos habitantes pelo críquete.

Os papagaios merecem um destaque especial quando falamos de Dominica. Presentes na bandeira e no escudo nacional, eles são parte essencial da fauna e da flora do país, pois vivem nas montanhas e colaboram para manter o ecossistema do local em harmonia. Atualmente são muito procurados por colecionadores e caçadores do mundo todo, estando ameaçados de extinção. O governo dominicano vem contando nos últimos anos com a ajuda estrangeira para monitorar as florestas do país, visando combater a caça do papagaio e manter o equilíbrio ambiental na região.

Tímida evolução e investimentos

Fundada em 1970, a Associação Dominicana de Futebol somente organizou sua seleção para disputar um jogo oficial quase 20 anos depois, quando o time empatou por 1 a 1 com a Jamaica. Depois da estréia, a seleção não parou mais de jogar e foi convidada para disputar amistosos, pequenos torneios com outras ilhas do Caribe e as eliminatórias da Copa Ouro da Concacaf. Com a ajuda da Fifa, à qual se filiou em 1994, a associação nacional pôde sonhar com vôos mais altos e começou a disputar as eliminatórias para a Copa em 1998.

Nas eliminatórias para o Mundial de 2002, Dominica foi destaque na mídia internacional pelos dois vareios que tomou do México: 10 a 0 e 8 a 0. Apesar dos placares elásticos, a imprensa dominicana ressaltou a forma heróica com que seus compatriotas enfrentaram os mexicanos, sendo estes profissionais e os dominicanos amadores. Os jogadores foram recebidos com festa na capital de Dominica, Roseau.

Já a Liga de Dominica é disputada desde o início das atividades da associação. O grande bicho-papão nacional é o Harlem United, que das 37 edições disputadas, ganhou 19. No entanto, o último campeão nacional é o Sagicor South East United, que se classificou para disputar o campeonato de clubes da CFU (Caribbean Football Union). O campeão desse torneio se classifica para disputar a Copa dos Campeões da Concacaf. Na edição do ano passado, após um empate com o RCA de Aruba, o Sagicor foi eliminado pelo Joe Public, de Trinidad e Tobago, que acabou sendo vice-campeão.

Mesmo com os resultados pobres da seleção e dos clubes, a iniciativa privada e a Fifa seguem investindo no futebol e no esporte do país. O estádio no qual os jogos de futebol e críquete são realizados atualmente, o Windsor Park, foi inaugurado em outubro de 2007 e sua construção foi patrocinada pelo governo da China, em parceria com o governo de Dominica. Uma empresa de infra-estrutura telefônica patrocina a Liga de Dominica desde 2005, gerando meios para que os clubes possam se manter durante o ano todo, já que a liga começa em abril e termina em outubro. Além disso, a Fifa vem repassando ao país recursos do programa ‘Goal’, para a formação de pessoal qualificado, melhoria de infra-estrutura e aperfeiçoamento das categorias de base.

Com todas essas ações, resta aguardar se a terra dos papagaios também se converterá, algum dia, numa terra do futebol.

*Texto de minha autoria publicado na coluna "Conheça a Seleção" do site Trivela

Um comentário:

Anônimo disse...

Como sempre, um belíssimo trabalho de pesquisa. Parabéns!