terça-feira, 12 de agosto de 2008

Rep. Centro-Africana: A pior do continente

No último mês de fevereiro, um fato envolvendo a ONG “Médicos sem Fronteiras” chamou a atenção no mundo inteiro: uma mulher de 36 anos, vítima de um atentado, faleceu abraçada ao filho recém-nascido. Atingida por tiros de fuzil, ela viajava numa ambulância mantida pela organização.

O incidente aconteceu na região norte da República Centro-Africana. Como o próprio nome diz, o país está localizado no centro da África e não tem saída para o mar, fato que agrava as atividades comerciais do país. Como quase todos os países do continente, a República Centro-Africana apresenta conflitos internos de milícias rebeldes contra o governo, altos níveis de mortalidade infantil, expectativa de vida cujo limite não ultrapassa os 45 anos e por muito tempo foi governada por ditadores.

Apesar de todos esses fatores negativos, a República Centro-Africana é cortada por vários rios navegáveis, o que faz com que as exportações de frutas, legumes e diamantes (embora grande parte desse último saia do país em forma de contrabando) gerem boas fontes de renda para o país.

De fornecedor de escravos a império e ditadura

Até meados do século 19, a região da República Centro-Africana era uma confluência harmoniosa de vários povos tribais africanos, sobretudo os bantos. A partir da metade desse século, no entanto, o contato com os povos muçulmanos do norte da África (sobretudo os egípcios e sudaneses) atraiu a cobiça de militares e traficantes de escravos, fazendo com que muitos bantos fossem escravizados e levados para diversos lugares, inclusive o Brasil.

Ao mesmo tempo, os franceses navegavam em expedições pelo rio Congo e colonizavam as terras que o margeavam. Um dos afluentes do rio Congo, o rio Ubangui permitiu aos franceses a penetração no território da República Centro-Africana e em 1889 a cidade de Bangui foi inaugurada. Mais tarde, ela se tornaria a capital da colônia que os franceses denominariam de “Ubangui-Shari”, que era a junção dos nomes dos rios mais importantes da região.

Em 1958, Ubangui-Shari tornou-se um território autônomo da França e dois anos depois se tornou independente do país europeu, mudando seu nome para República Centro-Africana. Desde então, sucessivos golpes de estado e confrontos internos ocorreram e a república até tornou-se império por dois anos. Logo após a restauração da república, mais regimes ditatoriais se sucederam e somente em 2005 um governo foi democraticamente eleito. Mesmo assim, o país continua enfrentando problemas internos e os conflitos com milícias rebeldes são constantes, desencorajando o turista a conhecer o norte e o nordeste do país, regiões controladas pelos rebeldes.

Início animador, muitas interrupções

Como na maioria das colônias africanas, o futebol chegou à República Centro-Africana pela influência dos franceses. No entanto, diferentemente de outras colônias que organizaram seus times ainda sem conquistar a independência, a República Centro-Africana colocou sua seleção em campo somente depois de ter conquistado sua libertação da França. Em 1960, foi convidada a participar de um torneio de colônias e territórios franceses sediado em Madagascar, enfrentando a seleção de Mali e perdendo por 4 a 3. Para um primeiro jogo de uma seleção nacional que nunca havia sido reunida antes, o resultado foi considerado muito bom.

Um ano depois, a federação local era oficialmente fundada e as filiações à Caf e à Fifa foram homologadas nos outros dois anos posteriores à fundação. No entanto, por motivo de conflitos internos recorrentes, somente em 1973 a seleção centro-africana voltou a se reunir, dessa vez para disputar as eliminatórias para a Copa da África de 1974. E na primeira partida contra a Costa do Marfim foi bem, ganhando por 4 a 2. Poderia até ter ido mais longe, pois perdeu somente por 2 a 1 no jogo de volta. Mas, por conta de problemas financeiros, a República Centro-Africana foi desclassificada das eliminatórias. Para a Copa do Mundo de 1974 e de 1982, a desistência de disputar as eliminatórias também ocorreu por falta de dinheiro.

Um pouco antes do fracasso das eliminatórias africanas, a Liga Centro-Africana de Clubes teve início em 1968 e teve como campeão o Cattin, clube que já não existe mais. Como reflexo dos conflitos armados internos, a Liga não foi disputada em 1969, 70 e 72. Durante a década de 70, a República Centro-Africana viu o domínio do Real Olympique Castel, que logo depois se tornaria o Olympic Real.

De 1976 a 1988, a seleção centro-africana ficou sem saber o que era ganhar. Nesse meio tempo, Camarões e Congo foram seus maiores algozes: perdeu por 7 a 1 dos “Leões Indomáveis” e por 5 a 1 dos congoleses. A vitória tão esperada aconteceu frente ao Chade: 2 a 1 pela Copa CEMAC, que reúne os países que fazem parte da Comunidade Econômica e Monetária da África Central. Aliás, a Copa CEMAC é a responsável pela maior conquista do futebol centro-africano até o momento: dois vice-campeonatos nos anos de 1989 e 2003. Nas duas ocasiões, o título ficou com Camarões.

Enquanto isso, os centro-africanos viam um clube seriamente disposto a acabar com a hegemonia do Real Olympique Castel dentro do país. O Tempête Mocaf entre 1984 e 1997 conquistou seis títulos nacionais e ultrapassou o rival em número de conquistas.

Enfim, a disputa pela Copa do Mundo

O dia 9 de abril de 2000 converteu-se em uma data histórica para a República Centro-Africana. Pela primeira vez, o selecionado nacional iria realizar uma partida válida pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002. Até um apelido foi criado para incentivar a seleção: “Veados do Baixo Ubangui”. O adversário era o Zimbábue, seleção com muito mais tradição no cenário africano e, portanto, muito difícil de ser batido. Os centro-africanos perderam os dois jogos, por 1 a 0 e 3 a 1. Mas em todos ficou o sentimento de que a República Centro-Africana podia sonhar com um futuro promissor para as próximas gerações.

Porém, a esperança no futuro veio abaixo com a falta de recursos da federação e novas revoltas internas causadas por rebeldes contrários ao governo vigente. Esses fatores causaram novamente a interrupção da Liga Centro-Africana em 2002 e sucessivas derrotas nas eliminatórias para a Copa da África. As dificuldades atingiram seu ápice em 2004, quando a federação centro-africana teve que desistir da disputa das eliminatórias para as Copas do Mundo de 2006 e 2010 e a Caf não permitiu a entrada dos clubes centro-africanos na Copa dos Campeões africanos por falta de pagamento à confederação. Com isso, a pontuação da República Centro-Africana no ranking da Fifa caiu vertiginosamente, fazendo com que o país ocupe atualmente a 198ª posição, o pior time africano.

Enquanto isso, os bons jogadores centro-africanos, sem espaço para mostrar seu futebol dentro e fora do país, migram para a Europa. Foi o caso dos atacantes Foxi Kethevoama e Marcelin Tamboulas e do meio-campo Boris Sandjo, artilheiro maior da República Centro-Africana, com 6 gols. Enquanto Foxi e Tamboulas tentam a sorte no Birkirkara de Malta, Sandjo joga no Ujpest, da Hungria.

Resta agora saber se daqui pra frente os centro-africanos conseguirão um pouco de paz e dinheiro para fazer aquilo que mais gostam: jogar futebol e dar um pouco de alegria a seu povo sofrido.

*Texto de minha autoria publicado na coluna "Conheça a Seleção" do site Trivela

sábado, 2 de agosto de 2008

O primeiro a gente nunca esquece

Domingo, 31 de julho de 1988.

Há 20 anos atrás, um menino vê seu time campeão pela primeira vez. Numa casa da Vila Ema, Zona Leste de São Paulo, o garoto de 7 anos estava brincando com seus primos na garagem, mas por dentro o menino não se cabia em tanta euforia. Não era aniversário dele e nem de nenhum de seus primos ou parentes. Toda a família dele se reunia para assistir o 2º jogo da decisão do Campeonato Paulista daquele ano entre o Corinthians e o Guarani. Até então, o menino e os seus primos nunca haviam visto o Corinthians ser campeão.

A tarefa não era fácil para os comandados de Jair Pereira. No 1º jogo disputado no Morumbi, empate de 1 a 1 com aquele golaço de bicicleta do Neto e ele gritando para um Morumbi calado: “Eu sou f...”. O Guarani tinha a vantagem do empate, por isso aparentava estar muito mais tranquilo que o alvinegro. Além disso, o Bugre tinha um time respeitável, com Neto e João Paulo. O Corinthians corria por fora, estava desacreditado e talentos despontavam, caso do goleiro Ronaldo e do jovem atacante Viola.

Para o jogo em Campinas, o Guarani tinha a vantagem de jogar pelo empate no tempo normal e na prorrogação. Quase 50.000 pessoas lotaram o Brinco de Ouro. E o jogo começa duro, pegado. Bola vai, bola vem, a cada chance perdida a Fiel lamentava a falta de Edmar, que estava com a Seleção Brasileira. O menino e os seus primos acompanham o silêncio de seus pais e tios, apreensivos com a pressão do Guarani. No intervalo, os meninos voltaram as suas brincadeiras e os tios para as suas cervejas e cigarros. Os 15 minutos pareciam uma eternidade para todos. Ninguém via a hora de chegar o 2º tempo e torcer muito para que o Corinthians melhorasse.

O que não aconteceu. A pressão bugrina perdurou, porém a brava defesa corinthiana soube neutralizar todos os ataques e o jogo acabou empatado. Um clima total de desolação tomou conta da garagem. Os tios comentavam: “Se em 90 minutos não fizeram nada, não será em 30 que farão, ainda mais mortos do jeito que devem estar”. As frases proferidas deixaram aquele menino ainda mais apreensivo do que estava. “Será que vai ser que nem no ano passado?”, pensava ele. Ninguém queria mais brincar. Todos os guris viam os pais apreensivos e sentiam isso, pois quando a gente é criança, imaginamos os pais como fortalezas inexpugnáveis, que nada sentem e nada temem.

Chega a prorrogação. Em determinado momento, um tio do menino levanta e dá um murro na mesa. Sai andando e vai fumar um outro cigarro na rua. Ninguém pisca o olho diante da televisão Sharp (aquela típica dos anos 80, com o gabinete de madeira e os canais com as luzinhas em vermelho dos canais, lembram?) e o 1º tempo da prorrogação termina.

Começou o 2º tempo da prorrogação e Wilson Mano arrisca uma descida ao ataque. Um fio de esperança cresce em todos. Ele arrisca de fora da área um chute feio e sem direção com o pé direito, porém o chute sai forte. Um garoto franzino surge de trás da zaga do Guarani sem ninguém saber, mete o pé na bola e mata o Sérgio Nery. A bola desviada vai entrando suavezinha, olhada pelo estupefacto goleiro do Guarani, que nada pôde fazer. A Fiel se ergue lentamente atrás do gol bugrino e grita o gol, o maldito gol que desafoga as tensões dos meninos e dos tios daquela garagem; lava a alma de todos os irmãos Fiéis no Brasil inteiro. Viola tinha 19 anos e marcava ali o gol que colocava o Corinhians na frente do placar e com a mão na taça. Nem deu tempo de o Guarani fazer alguma coisa, tal atordoado estava. Termina o jogo e o Corinthians, desacreditado que estava, levanta o título que não ganhava havia 5 anos.

Aquele menino de 7 anos que estava lá naquele dia e viu seu time ser campeão pela primeira vez comemorou como gente grande aquele título e voltava as aulas no dia seguinte rouco de tanto gritar. O menino que sentia orgulho de vestir a camisa corinthiana era esse humilde escrevente.

O GOLAÇO de Neto no 1
º jogo da Final:



Melhores momentos do
2º jogo da Final:




Ficha técnica

Guarani 0 X 1 Corinthians

Local: Estádio Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas-SP
Árbitro: Arnaldo César Coelho-SP
Público: 49.604 pagantes
Cartões vermelhos: Paulo Isidoro (Guarani) e Paulinho Carioca (Corinthians)
Gol: Viola, aos 5'/1T (Prorrogação)

GUARANI
Sérgio Néri; Marquinhos Capixaba, Ricardo Rocha, Vágner Bacharel e Albéris; Paulo Isidoro, Barbiéri (Mário), Marco Antônio Boiadeiro e Neto (Careca Bianchesi); Evair e João Paulo. Técnico: Carbone.

CORINTHIANS
Ronaldo; Édson Boaro, Marcelo, Denílson e Dida; Márcio (Paulinho Gaúcho), Biro-Biro, Éverton e João Paulo; Viola e Paulinho Carioca. Técnico: Jair Pereira.