segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Real Unión: Pequeno porém histórico

O futebol é um dos poucos esportes no mundo onde o mais fraco pode derrotar o mais forte.

Apesar de a frase ser um tanto batida, tivemos mais um exemplo de sua aplicação na semana passada. Pela Copa do Rei da Espanha, o poderoso Real Madrid enfrentou o modesto Real Unión, da cidade basca de Irún, clube da terceira divisão do país.

Engana-se porém, quem pensa que o Real Unión seja um time “nanico”, com quase nenhuma história ou com pouca representatividade na história do futebol espanhol.

Talvez por sua proximidade com a França, que começou a praticar o futebol antes da Espanha, a cidade de Irún foi uma das primeiras onde o esporte tornou-se mais popular. Já em 1902 o Irún Football Club foi fundado e, cinco anos depois, passou a se chamar Irún Sporting Club. No ano seguinte, uma dissidência do Sporting deu origem ao Racing Club de Irún.

Assim, logo no começo do século a cidade, cujo número de habitantes era de cerca de 10.000 pessoas, já contava com dois times e uma rivalidade que se tornaria férrea. Essa rivalidade ficaria mais evidente quando no ano de 1913 o Racing se tornou o campeão da Copa do Rei, enquanto o Sporting já havia desistido de participar da competição por duas vezes.

O campeonato foi largamente comemorado por toda a cidade, inclusive pelos torcedores do time rival. Foi então que, segundo a lenda, o rei espanhol Alfonso XIII sugeriu aos dirigentes dos dois times que se juntassem para acabar com a divisão de times entre uma cidade tão pequena. Em contrapartida, o rei prometeu seu patrocínio ao novo time.

Assim, em 9 de maio de 1915, surgia o Real Unión Club de Irún. O “Real” veio do patrocínio do rei e o “Unión Club” foi adotado pelo fato de ter surgido da união dos dois times da cidade.

O primeiro jogo do novo time foi um passeio: 6 a 1 contra a Real Sociedad. Além disso, o Athletic de Bilbao e o Arenas de Guecho passaram a ser outros times rivais em potencial para o iruneses, que impuseram aos bilbaínos sua primeira derrota no seu campo, o San Mamés. Ao longo dos tempos, os embates contra a Real Sociedad, pelo Campeonato do Norte (torneio regional onde os times do País Basco se enfrentavam) e pelo Campeonato de Guipúzcoa (província onde se localiza a cidade de Irún) tornaram a rivalidade fortíssima.

Em 1918, o Real Unión vence o Campeonato do Norte e com isso ganha o direito de disputar a Copa do Rei. Na final, o Real Unión bateu de forma brilhante o Real Madrid por 2 a 0 (noventa anos antes portanto o Real Madrid já sabia quem era o Real Unión) e ganhou o bi-campeonato da Copa, já que o título de 1913 geralmente é considerado como sendo pertencente ao clube.

Na década de 20 o Real Unión conhece seu apogeu. Cede três jogadores para a seleção espanhola que ganharia a medalha de prata nas Olimpíadas de 1920, em 1924 fatura pela terceira vez a Copa do Rei, em 1926 inaugura seu estádio, o Stadium Gal, e no ano seguinte novamente consegue o título da Copa nacional.

Com tanto prestígio, o Real Unión foi um dos membros fundadores da Liga de Futebol Profissional, que passou a organizar o que hoje é Campeonato Espanhol a partir de 1928. Inexplicavelmente, já que contava com a mesma base do time campeão da Copa do ano anterior, o Real Unión terminou na nona colocação entre dez times que começaram a disputa da Liga. Como o torneio não previa rebaixamento, o time permaneceu na Liga. Em 1930 e 1931 o time se manteve na elite do futebol espanhol com modestas colocações. Mas em 1932 o êxodo dos melhores jogadores fez com o time caísse para a segunda divisão. Para nunca mais voltar.

Depois da queda para a segunda divisão, o time perambulou pela terceira e quarta divisões, sem o mesmo brilhantismo dos anos anteriores. Ainda assim, de vez em quando o time é capaz de pregar algumas peças nos grandes clubes do futebol espanhol. Em 2003, eliminou o Athletic de Bilbao da Copa do Rei e em 2005 havia eliminado dos play-offs da terceira divisão o Rayo Vallecano de Madrid. No entanto na final caiu diante do Lorca Deportiva.

Curiosidades:

- O Stadium Gal está localizado a 300 metros da fronteira da Espanha com a França;

- Javier Irureta, que como jogador foi campeão no Atlético de Madrid e como treinador ficou por 8 anos no comando do Deportivo La Coruña, foi revelado pelo Real Unión;

- López Ufarte, que fez parte do elenco que conquistou os únicos títulos nacionais da Real Sociedad (80/81 e 81/82) também foi revelado no Real Unión;

- O uniforme original do Real Unión é composto de camisas brancas, calções e meias pretas. O uniforme reserva é todo branco. Como o uniforme do Real Madrid é bem similar ao uniforme do Real Unión, o time irunês resolveu inovar e apresentou um uniforme muito parecido ao uniforme do Flamengo, com listras horizontais vermelhas e pretas.

domingo, 16 de novembro de 2008

Migração

Pessoal,

Migrei meu blog para o Ole Ole. Todos os post´s desse blog foram migrados.

Portanto, mudem a URL de seus favoritos para:

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Valeu!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ilhas Virgens Americanas: futuro desanimador


No último mês de março, as Eliminatórias para a Copa de 2010 começaram na América Central. Em um dos confrontos, um placar chamou a atenção: a seleção da pequena ilha de Granada havia ganho por 10 a 0 da seleção de outro país insular: a das Ilhas Virgens Americanas.

À época, a seleção das Ilhas Virgens Americanas ocupava a 202ª posição do ranking da Fifa. Essa posição colocava o time na última colocação entre todas as nações que são afiliadas ao máximo organismo do futebol mundial. Portanto, o resultado elástico não chegou a ser exatamente uma surpresa.

Uma semana antes de ser impiedosamente goleada, a seleção das Ilhas Virgens Americanas fez dois amistosos com a seleção vizinha das Ilhas Virgens Britânicas. E nos dois jogos, ocorreram dois empates: 1 a 1 e 0 a 0. Esses resultados trouxeram um pouco mais de esperanças aos habitantes das ilhas, que poderiam sonhar em dar trabalho aos granadinos, tal qual seus vizinhos fizeram com a seleção das Bahamas, onde empataram os dois jogos e não se classificaram para a próxima fase da competição por apenas um gol.

No entanto, a derrota por 10 a 0 acabou por jogar uma “pá de cal” nas esperanças de progresso de seu selecionado, que assim deverá aguardar por mais longos quatro anos a chance de poder mostrar ao mundo uma evolução no futebol. E com um detalhe: todos os atletas das Ilhas Virgens Americanas são amadores.

Das disputas entre europeus à badalação do turismo

Descobertas em 1493 por Cristóvão Colombo, as Ilhas Virgens Americanas foram objeto de intensa disputa militar entre espanhóis, britânicos, holandeses, franceses e dinamarqueses devido à sua posição estratégica no Mar do Caribe. Depois de quase duzentos anos de disputas, os dinamarqueses saíram vitoriosos e colonizaram as ilhas principais do local, a ilha Saint Thomas, a ilha Saint John e a ilha Saint Croix. Com isso, fundaram as cidades que mais tarde se tornariam as principais do território: a capital Charlotte Amalie (em homenagem à Rainha da Dinamarca à época), Cruz Bay e Groveplace.

Dois séculos depois de ter assumido seu controle, a Dinamarca passou a enxergar as ilhas com outros olhos: elas eram economicamente inviáveis de sustentar e não podiam fornecer mais meios de riqueza. Com isso, a ilha passou a receber cada vez mais menos investimentos, sofrendo de um abandono lento e aparentemente irreversível.
Foi nesse contexto que os Estados Unidos surgiram com uma proposta de compra das ilhas: pagariam 25 milhões de dólares para a Dinamarca para assumir o total controle delas. A Dinamarca aceitou a oferta e com isso as Ilhas Virgens Americanas assumiram a sua atual denominação.

Sob o domínio americano tornaram-se um dos principais destinos de aposentados e trabalhadores em busca de sossego longe do continente. Conseqüentemente, os investimentos em infra-estrutura cresceram e atualmente o território recebe muitos turistas provenientes não só dos Estados Unidos, mas também dos milhares de cruzeiros que usam seus portos para reabastecimento e descanso. Para ser ter uma idéia da quantidade de turistas que por lá passaram, basta dizer que as Ilhas Virgens Americanas, que têm cerca de um terço do tamanho da cidade de São Paulo, receberam mais turistas que toda a cidade do Rio de Janeiro no ano.

Liga unificada e disputa por espaço

Fundada em 1989, a Federação de Futebol das Ilhas Virgens Americanas somente organizou sua seleção em 1998. A explicação para o início tardio foi a falta de campos de futebol que apresentassem uma mínima estrutura para a prática do esporte. Também pesou o fato de que, a exemplo do país que as controlam, o futebol não ser o esporte mais popular das ilhas, perdendo para o basquete e o beisebol e com isso não despertar nem a atenção do governo nem da população.

Para ratificar sua condição de uma das seleções mais fracas do mundo, as Ilhas Virgens Americanas realizaram 23 jogos e ganharam somente o primeiro, disputado contra suas vizinhas Ilhas Virgens Britânicas, por 1 a 0. Logo depois dessa vitória, as Ilhas Virgens Americanas passaram a conviver com placares adversos e elásticos: 12 a 1 e 11 a 0 contra o Haiti, 11 a 0 contra Guadalupe, 14 a 1 contra Santa Lúcia e 11 a 1 contra a Jamaica. Esses resultados contribuíram para que as Ilhas Virgens Americanas caíssem para a última posição do ranking da Fifa. Mas, mesmo com os resultados ruins, a seleção ficou com o incômodo posto somente por um mês.

Com a adaptação do Lionel Roberts Park para receber o futebol, a realização da Liga de Futebol das Ilhas Virgens Americanas foi viabilizada e passou a ser disputada em 1997, tendo como primeiro campeão o MI Roc Masters. De lá para cá, os maiores vencedores da Liga são os times do Positive Vibes, Upsetters e Waitikubuli United, com duas conquistas para cada um. A fórmula de disputa da Liga das Ilhas Virgens Americanas é interessante: existe uma liga para os times de futebol das ilhas de Saint Thomas e Saint John e outra liga para os times da ilha de Saint Croix. O campeão e o vice dessas duas ligas formam um torneio quadrangular final com turno e returno sagrando-se campeão o time que somar mais pontos.

Mesmo com o incentivo da Fifa na adaptação do estádio principal das Ilhas Virgens Americanas, o principal desafio da federação nacional é atrair mais adeptos para o esporte. O zagueiro Dwight Ferguson, em entrevista concedida logo após a goleada sofrida para Granada foi taxativo: “Vejo um futuro desanimador para nosso futebol”. Talvez com um pouco mais de incentivo da Fifa e dos órgãos educacionais do território, a seleção das Ilhas Virgens Americanas possa ser vista de fato como “águias elegantes”, tal qual seu apelido.


*Texto de minha autoria publicado na coluna "Conheça a Seleção" do site Trivela

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Rep. Centro-Africana: A pior do continente

No último mês de fevereiro, um fato envolvendo a ONG “Médicos sem Fronteiras” chamou a atenção no mundo inteiro: uma mulher de 36 anos, vítima de um atentado, faleceu abraçada ao filho recém-nascido. Atingida por tiros de fuzil, ela viajava numa ambulância mantida pela organização.

O incidente aconteceu na região norte da República Centro-Africana. Como o próprio nome diz, o país está localizado no centro da África e não tem saída para o mar, fato que agrava as atividades comerciais do país. Como quase todos os países do continente, a República Centro-Africana apresenta conflitos internos de milícias rebeldes contra o governo, altos níveis de mortalidade infantil, expectativa de vida cujo limite não ultrapassa os 45 anos e por muito tempo foi governada por ditadores.

Apesar de todos esses fatores negativos, a República Centro-Africana é cortada por vários rios navegáveis, o que faz com que as exportações de frutas, legumes e diamantes (embora grande parte desse último saia do país em forma de contrabando) gerem boas fontes de renda para o país.

De fornecedor de escravos a império e ditadura

Até meados do século 19, a região da República Centro-Africana era uma confluência harmoniosa de vários povos tribais africanos, sobretudo os bantos. A partir da metade desse século, no entanto, o contato com os povos muçulmanos do norte da África (sobretudo os egípcios e sudaneses) atraiu a cobiça de militares e traficantes de escravos, fazendo com que muitos bantos fossem escravizados e levados para diversos lugares, inclusive o Brasil.

Ao mesmo tempo, os franceses navegavam em expedições pelo rio Congo e colonizavam as terras que o margeavam. Um dos afluentes do rio Congo, o rio Ubangui permitiu aos franceses a penetração no território da República Centro-Africana e em 1889 a cidade de Bangui foi inaugurada. Mais tarde, ela se tornaria a capital da colônia que os franceses denominariam de “Ubangui-Shari”, que era a junção dos nomes dos rios mais importantes da região.

Em 1958, Ubangui-Shari tornou-se um território autônomo da França e dois anos depois se tornou independente do país europeu, mudando seu nome para República Centro-Africana. Desde então, sucessivos golpes de estado e confrontos internos ocorreram e a república até tornou-se império por dois anos. Logo após a restauração da república, mais regimes ditatoriais se sucederam e somente em 2005 um governo foi democraticamente eleito. Mesmo assim, o país continua enfrentando problemas internos e os conflitos com milícias rebeldes são constantes, desencorajando o turista a conhecer o norte e o nordeste do país, regiões controladas pelos rebeldes.

Início animador, muitas interrupções

Como na maioria das colônias africanas, o futebol chegou à República Centro-Africana pela influência dos franceses. No entanto, diferentemente de outras colônias que organizaram seus times ainda sem conquistar a independência, a República Centro-Africana colocou sua seleção em campo somente depois de ter conquistado sua libertação da França. Em 1960, foi convidada a participar de um torneio de colônias e territórios franceses sediado em Madagascar, enfrentando a seleção de Mali e perdendo por 4 a 3. Para um primeiro jogo de uma seleção nacional que nunca havia sido reunida antes, o resultado foi considerado muito bom.

Um ano depois, a federação local era oficialmente fundada e as filiações à Caf e à Fifa foram homologadas nos outros dois anos posteriores à fundação. No entanto, por motivo de conflitos internos recorrentes, somente em 1973 a seleção centro-africana voltou a se reunir, dessa vez para disputar as eliminatórias para a Copa da África de 1974. E na primeira partida contra a Costa do Marfim foi bem, ganhando por 4 a 2. Poderia até ter ido mais longe, pois perdeu somente por 2 a 1 no jogo de volta. Mas, por conta de problemas financeiros, a República Centro-Africana foi desclassificada das eliminatórias. Para a Copa do Mundo de 1974 e de 1982, a desistência de disputar as eliminatórias também ocorreu por falta de dinheiro.

Um pouco antes do fracasso das eliminatórias africanas, a Liga Centro-Africana de Clubes teve início em 1968 e teve como campeão o Cattin, clube que já não existe mais. Como reflexo dos conflitos armados internos, a Liga não foi disputada em 1969, 70 e 72. Durante a década de 70, a República Centro-Africana viu o domínio do Real Olympique Castel, que logo depois se tornaria o Olympic Real.

De 1976 a 1988, a seleção centro-africana ficou sem saber o que era ganhar. Nesse meio tempo, Camarões e Congo foram seus maiores algozes: perdeu por 7 a 1 dos “Leões Indomáveis” e por 5 a 1 dos congoleses. A vitória tão esperada aconteceu frente ao Chade: 2 a 1 pela Copa CEMAC, que reúne os países que fazem parte da Comunidade Econômica e Monetária da África Central. Aliás, a Copa CEMAC é a responsável pela maior conquista do futebol centro-africano até o momento: dois vice-campeonatos nos anos de 1989 e 2003. Nas duas ocasiões, o título ficou com Camarões.

Enquanto isso, os centro-africanos viam um clube seriamente disposto a acabar com a hegemonia do Real Olympique Castel dentro do país. O Tempête Mocaf entre 1984 e 1997 conquistou seis títulos nacionais e ultrapassou o rival em número de conquistas.

Enfim, a disputa pela Copa do Mundo

O dia 9 de abril de 2000 converteu-se em uma data histórica para a República Centro-Africana. Pela primeira vez, o selecionado nacional iria realizar uma partida válida pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002. Até um apelido foi criado para incentivar a seleção: “Veados do Baixo Ubangui”. O adversário era o Zimbábue, seleção com muito mais tradição no cenário africano e, portanto, muito difícil de ser batido. Os centro-africanos perderam os dois jogos, por 1 a 0 e 3 a 1. Mas em todos ficou o sentimento de que a República Centro-Africana podia sonhar com um futuro promissor para as próximas gerações.

Porém, a esperança no futuro veio abaixo com a falta de recursos da federação e novas revoltas internas causadas por rebeldes contrários ao governo vigente. Esses fatores causaram novamente a interrupção da Liga Centro-Africana em 2002 e sucessivas derrotas nas eliminatórias para a Copa da África. As dificuldades atingiram seu ápice em 2004, quando a federação centro-africana teve que desistir da disputa das eliminatórias para as Copas do Mundo de 2006 e 2010 e a Caf não permitiu a entrada dos clubes centro-africanos na Copa dos Campeões africanos por falta de pagamento à confederação. Com isso, a pontuação da República Centro-Africana no ranking da Fifa caiu vertiginosamente, fazendo com que o país ocupe atualmente a 198ª posição, o pior time africano.

Enquanto isso, os bons jogadores centro-africanos, sem espaço para mostrar seu futebol dentro e fora do país, migram para a Europa. Foi o caso dos atacantes Foxi Kethevoama e Marcelin Tamboulas e do meio-campo Boris Sandjo, artilheiro maior da República Centro-Africana, com 6 gols. Enquanto Foxi e Tamboulas tentam a sorte no Birkirkara de Malta, Sandjo joga no Ujpest, da Hungria.

Resta agora saber se daqui pra frente os centro-africanos conseguirão um pouco de paz e dinheiro para fazer aquilo que mais gostam: jogar futebol e dar um pouco de alegria a seu povo sofrido.

*Texto de minha autoria publicado na coluna "Conheça a Seleção" do site Trivela

sábado, 2 de agosto de 2008

O primeiro a gente nunca esquece

Domingo, 31 de julho de 1988.

Há 20 anos atrás, um menino vê seu time campeão pela primeira vez. Numa casa da Vila Ema, Zona Leste de São Paulo, o garoto de 7 anos estava brincando com seus primos na garagem, mas por dentro o menino não se cabia em tanta euforia. Não era aniversário dele e nem de nenhum de seus primos ou parentes. Toda a família dele se reunia para assistir o 2º jogo da decisão do Campeonato Paulista daquele ano entre o Corinthians e o Guarani. Até então, o menino e os seus primos nunca haviam visto o Corinthians ser campeão.

A tarefa não era fácil para os comandados de Jair Pereira. No 1º jogo disputado no Morumbi, empate de 1 a 1 com aquele golaço de bicicleta do Neto e ele gritando para um Morumbi calado: “Eu sou f...”. O Guarani tinha a vantagem do empate, por isso aparentava estar muito mais tranquilo que o alvinegro. Além disso, o Bugre tinha um time respeitável, com Neto e João Paulo. O Corinthians corria por fora, estava desacreditado e talentos despontavam, caso do goleiro Ronaldo e do jovem atacante Viola.

Para o jogo em Campinas, o Guarani tinha a vantagem de jogar pelo empate no tempo normal e na prorrogação. Quase 50.000 pessoas lotaram o Brinco de Ouro. E o jogo começa duro, pegado. Bola vai, bola vem, a cada chance perdida a Fiel lamentava a falta de Edmar, que estava com a Seleção Brasileira. O menino e os seus primos acompanham o silêncio de seus pais e tios, apreensivos com a pressão do Guarani. No intervalo, os meninos voltaram as suas brincadeiras e os tios para as suas cervejas e cigarros. Os 15 minutos pareciam uma eternidade para todos. Ninguém via a hora de chegar o 2º tempo e torcer muito para que o Corinthians melhorasse.

O que não aconteceu. A pressão bugrina perdurou, porém a brava defesa corinthiana soube neutralizar todos os ataques e o jogo acabou empatado. Um clima total de desolação tomou conta da garagem. Os tios comentavam: “Se em 90 minutos não fizeram nada, não será em 30 que farão, ainda mais mortos do jeito que devem estar”. As frases proferidas deixaram aquele menino ainda mais apreensivo do que estava. “Será que vai ser que nem no ano passado?”, pensava ele. Ninguém queria mais brincar. Todos os guris viam os pais apreensivos e sentiam isso, pois quando a gente é criança, imaginamos os pais como fortalezas inexpugnáveis, que nada sentem e nada temem.

Chega a prorrogação. Em determinado momento, um tio do menino levanta e dá um murro na mesa. Sai andando e vai fumar um outro cigarro na rua. Ninguém pisca o olho diante da televisão Sharp (aquela típica dos anos 80, com o gabinete de madeira e os canais com as luzinhas em vermelho dos canais, lembram?) e o 1º tempo da prorrogação termina.

Começou o 2º tempo da prorrogação e Wilson Mano arrisca uma descida ao ataque. Um fio de esperança cresce em todos. Ele arrisca de fora da área um chute feio e sem direção com o pé direito, porém o chute sai forte. Um garoto franzino surge de trás da zaga do Guarani sem ninguém saber, mete o pé na bola e mata o Sérgio Nery. A bola desviada vai entrando suavezinha, olhada pelo estupefacto goleiro do Guarani, que nada pôde fazer. A Fiel se ergue lentamente atrás do gol bugrino e grita o gol, o maldito gol que desafoga as tensões dos meninos e dos tios daquela garagem; lava a alma de todos os irmãos Fiéis no Brasil inteiro. Viola tinha 19 anos e marcava ali o gol que colocava o Corinhians na frente do placar e com a mão na taça. Nem deu tempo de o Guarani fazer alguma coisa, tal atordoado estava. Termina o jogo e o Corinthians, desacreditado que estava, levanta o título que não ganhava havia 5 anos.

Aquele menino de 7 anos que estava lá naquele dia e viu seu time ser campeão pela primeira vez comemorou como gente grande aquele título e voltava as aulas no dia seguinte rouco de tanto gritar. O menino que sentia orgulho de vestir a camisa corinthiana era esse humilde escrevente.

O GOLAÇO de Neto no 1
º jogo da Final:



Melhores momentos do
2º jogo da Final:




Ficha técnica

Guarani 0 X 1 Corinthians

Local: Estádio Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas-SP
Árbitro: Arnaldo César Coelho-SP
Público: 49.604 pagantes
Cartões vermelhos: Paulo Isidoro (Guarani) e Paulinho Carioca (Corinthians)
Gol: Viola, aos 5'/1T (Prorrogação)

GUARANI
Sérgio Néri; Marquinhos Capixaba, Ricardo Rocha, Vágner Bacharel e Albéris; Paulo Isidoro, Barbiéri (Mário), Marco Antônio Boiadeiro e Neto (Careca Bianchesi); Evair e João Paulo. Técnico: Carbone.

CORINTHIANS
Ronaldo; Édson Boaro, Marcelo, Denílson e Dida; Márcio (Paulinho Gaúcho), Biro-Biro, Éverton e João Paulo; Viola e Paulinho Carioca. Técnico: Jair Pereira.