terça-feira, 29 de julho de 2008

Djibuti: Pobreza na economia e no futebol


Um pouco maior que o estado de Sergipe, Djibuti fica numa posição extremamente importante no leste da África. Está localizado no chamado “Chifre”, que é a região do continente onde o Mar Vermelho e o Oceano Índico se encontram. Essa estratégica posição rende bons dividendos ao país, pois o porto da capital, que também se chama Djibuti, é um importante entreposto comercial e serve de apoio para muitas embarcações provenientes da Ásia com destino ao Canal de Suez.

O país inteiro é muito quente e árido. Para se ter uma idéia, dos quase 23 mil quilômetros quadrados do país apenas 20 são compostos por rios ou lagos. Com tão pouca quantidade de água, fica fácil compreender o porquê de o país figurar como um dos mais pobres do mundo e sempre necessitar de ajuda humanitária por parte dos países mais desenvolvidos e da Organização das Nações Unidas.

Do pioneirismo islâmico às guerras civis

As origens de Djibuti datam do século X a.C. Os dois principais povos da região, os nômades afar e o somali, dividiam o comércio de peles e especiarias com os egípcios, persas e indianos. No século IX d.C, esses dois povos foram os primeiros africanos a conhecer e a se converter ao islamismo.

Depois de algum tempo em total isolamento, Djibuti foi descoberta pelos franceses, que foram os primeiros europeus a fazer contato com os povos da região. À época, a construção do Canal de Suez estava no final e a França estabeleceu um tratado de paz com os afar e os somalis, constituindo assim o protetorado da Somália Francesa. Em torno do porto construído pelos franceses na costa oeste, a cidade de Djibuti foi inaugurada e converteu-se na principal cidade do protetorado. Não à toa, a seleção de futebol de Djibuti é conhecida como “Os ribeirinhos do Mar Vermelho”.

No decorrer do século 20, um grupo étnico chamado issa, do ramo dos somalis, passou a se rebelar contra os franceses. Pregava a dominação total da região do “Chifre da África” pelos nativos e era totalmente contrário à presença européia na região. Por outro lado, os afar continuavam ao lado dos franceses. A inimizade entre esses dois povos cresceu e deu origem a violentos desentendimentos internos que foram resolvidos em parte quando Djibuti declarou a independência da França em 1977.

Mesmo após a declaração da independência, os dois povos continuaram com problemas entre si. Tudo por causa do presidente eleito, de etnia issa, que não agradou a maioria da população do país, que é afar. Desde 1988 Djibuti já enfrentou duas guerras civis, o que agravou ainda mais as condições de vida da população, gerando mais fome e pobreza. Em junho último ocorreu uma invasão não autorizada de soldados da Eritréia a uma parte do território de Djibuti, o que pode desencadear outra crise interna no país.

Longas interrupções e futebol abaixo da média

Devido à grande influência dos franceses e dos soldados da Legião Estrangeira, cuja sede africana fica em Djibuti, o futebol é o esporte mais popular da ilha. No entanto, assim como a situação econômica, o futebol no país também é pobre. São apenas oito clubes profissionais filiados à Federação, que disputam a Liga e a Copa de Djibuti. Não há rebaixamento e todos os jogos são disputados no “Stade du Ville”, reformado pela FIFA e que conta com grama artificial, devido à escassez de água para a manutenção da grama natural.

Apesar de ter declarado sua independência há apenas 31 anos, há registros que atestam que Djibuti teve uma seleção formada pela primeira vez em 1947, quando perdeu da Etiópia por 5 a 0. Fundada em 1979, a federação djibutiana de futebol somente organizou sua seleção cinco anos depois e tomou outra goleada da Etiópia: 8 a 1. E foi preciso mais cinco anos para que a primeira vitória de Djibuti viesse com um 4 a 1 num amistoso disputado contra a seleção do Iêmen.

Interessante notar que, um ano antes da primeira vitória do selecionado, o Campeonato Djibutiano havia sido iniciado de forma oficial. O sistema de disputa consistiu em turno e returno com quatro participantes. O primeiro vencedor foi o Etablissements Merill, de Djibuti.

Um ano depois, a guerra civil impediu que o campeonato prosseguisse e que a seleção entrasse em campo e participasse de qualquer manifestação futebolística. Durante cinco anos a seleção nacional não jogou e foi preciso esperar até o ano 2000 para que a população de Djibuti pudesse ver o jogo da seleção no país. Porém a espera valeu a pena: a seleção nacional entrava em campo contra a República Democrática do Congo, pelas Eliminatórias da Copa de 2002, as primeiras disputadas por Djibuti na história. E conseguiu um excelente resultado, empatando em 1 a 1. No jogo de volta porém Djibuti foi eliminada da disputa da vaga na Copa perdendo por humilhantes 9 a 1. Nos anos seguintes, sempre jogando fora do país devido aos conflitos internos, a seleção djibutiana sofreu mais goleadas: 7 a 0 e 10 a 1 para Uganda e 6 a 0 para a Etiópia.

Sete anos depois de jogar pela última vez no país, Djibuti obteve seu resultado mais expressivo no cenário internacional. Pela fase preliminar das Eliminatórias da Copa de 2010, Djibuti ganhou por 1 a 0 da Somália e passou para a próxima fase da competição. Esse resultado foi a primeira vitória em um jogo oficial na história do país, fato que converteu o atacante Yassin Hussein, do CDE (Compagnie Djibouti-Ethiopie), em herói nacional.

No âmbito doméstico, o campeonato djibutiano aumentou o número de clubes participantes de quatro para dez, sempre mantendo o mesmo sistema de disputa. O CDE, apesar de ser o clube mais popular por ter nascido dos trabalhadores da ferrovia que liga o Djibuti à Etiópia, perde em número de títulos para o Force Nationale de Police, que conta com a simpatia do governo do país.

O resultado positivo contra a Somália, no entanto, não contribuiu para afastar de Djibuti a fama de saco-de-pancadas: depois da vitória histórica, a seleção perdeu de Uganda por 7 a 0, de Ruanda por 9 a 0, do Malawi por 8 a 1 e da República Democrática do Congo por 6 a 0, sendo esses dois últimos confrontos válidos pelo grupo 12 das Eliminatórias Africanas. Em setembro próximo, Djibuti voltará a campo para jogar contra Malawi e encerra sua participação no torneio em outubro contra o Egito.

Resta saber se os “ribeirinhos” seguirão com a sina de derrotas largas ou se conseguirão ao menos um ponto na fase de grupos das Eliminatórias, permitindo que o povo sofrido tenha maiores esperanças no futuro.

*Texto de minha autoria publicado na coluna "Conheça a Seleção" do site Trivela

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Luto


Não há palavras para descrever a dor que sinto.

Bom marido, filho, companheiro de discussão, amigo.


O mundo fica mais pobre sem o Bindi.


Só fica meu agradecimento por tudo o que ele fez por mim e quanto ele me fez ver que falar de futebol é realmente muito bom.


Os textos de seleções apresentados nesse blog foram editados por ele para ir ao site Trivela.

Luiz Fernando Bindi, amigo, irmão. Fique em paz onde estiver.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

As camisas vermelhas do Uruguai

Nas oportunidades em que o Uruguai joga contra a Argentina em Buenos Aires ou quando enfrenta algum time que veste azul, a "Celeste" sempre aparece de uniforme vermelho. Esse uniforme, como todos sabem, nada tem a ver com as cores da bandeira uruguaia e não faz menção à bandeira de Artigas, libertador do país, que tem uma faixa transversal vermelha.

Para entendermos o porquê de o Uruguai utilizar a camisa vermelha, devemos voltar ao ano de 1932. Depois da Copa de 1930, as relações entre as duas federações estava muito estremecida por conta do clima de guerra preparado pelos uruguaios na Final, da "freguesia" da Argentina (perdeu além da Copa de 1930 a final olímpica de 1928) e até do uso da bola na final da Copa, já que os argentinos queriam jogar com a bola fabricada na Argentina e os uruguaios queriam jogar com a bola fabricada no Uruguai.

Dois anos depois da final da Copa, uruguaios e argentinos marcaram um par de amistosos beneficentes. Para esquecer todo o clima de inimizade, a Associação Uruguaia de Futebol resolveu mudar a cor da camisa para apagar todo o histórico de desentendimentos com os argentinos. A Associação de Futebol Argentino aceitou de bom grado a idéia e passou a usar uma camisa inteira branca, ao invés da tradicional azul e branca.

Adoção definitiva

Eis que chega o Campeonato Sul-Americano de 1935, a ser realizado no mês de janeiro no Peru. Depois de seis anos finalmente o campeonato pôde ser organizado, com quatro seleções participantes: Argentina, Chile, Peru e Uruguai. Esse campeonato ficou conhecido como "Sul-Americano de Santa Beatriz". Santa Beatriz era o nome do bairro onde ficava localizado o Estádio Nacional de Lima. Seria disputado num sistema de todos-contra-todos e ao final a seleção que somasse mais pontos seria a campeã.

Esse campeonato marcou a despedida da brilhante geração de jogadores que conquistou dois campeonatos sul-americanos (1924 e 1926), duas medalhas de ouro olímpicas (1924 e 1928) e um Campeonato Mundial de Futebol (1930), a "Geração Olímpica". Jogadores como o goleiro Enrique Ballestrero, o zagueiro "Capitão dos Capitães" José Nasazzi e o atacante Héctor "Manco" Castro dariam lugar a outros bons valores como Héctor Machiavello e Aníbal Ciocca, que mais tarde seria um dos maiores ídolos do Nacional. Assim como os amistosos disputados em 1932, o Uruguai jogaria as três partidas do torneio usando a camisa vermelha.

No primeiro jogo, disputado no dia 13, o Uruguai entrou em campo contra os donos da casa. Quase 30 mil peruanos foram ao estádio para ajudar a seleção local a tentar se vingar da derrota sofrida no Mundial (na ocasião, o Uruguai venceu por 1 a 0). Porém, a ajuda não valeu muita coisa: o Uruguai venceu novamente por 1 a 0, gol de "Manco" Castro, aos 35 minutos do segundo tempo. Uma semana antes, a Argentina, que lutava pelo tri-campeonato, goleou o Chile por 4 a 1.

No segundo jogo, disputado no dia 18, a "Celeste" entrou em campo contra o Chile, que veio precisando da vitória para não se despedir prematuramente do torneio. Quase 15 mil pessoas compareceram ao Estádio Nacional e viram o Uruguai sair na frente com um gol de Ciocca. Logo no início do segundo tempo os chilenos empataram. No entanto, um minuto depois Ciocca novamente marca e determina a vitória uruguaia.

Dois dias depois, a Argentina, frente a cerca de 21 mil pessoas, aplica outra goleada, dessa vez contra os donos da casa: 4 a 1. A Argentina, assim como o Uruguai, somava 4 pontos no torneio enquanto chilenos e peruanos ainda não haviam pontuado.

No dia 26, os eliminados Peru e Chile entraram em campo para decidir quem ficaria com o terceiro lugar do torneio. Frente a cerca de 12 mil pessoas, a seleção local venceu por 1 a 0, gol de Montellanos.

No dia seguinte, estava marcada a "Final" do torneio entre argentinos e uruguaios. Pelo futebol vistoso mostrado nos dois jogos, a Argentina era considerada franca favorita ao título, já que contava com jogadores completamente diferentes daqueles que disputaram a final da Copa de 1930. Além disso, era óbvio que os argentinos queriam devolver as derrotas sofridas nas Olimpíadas e no Mundial.

O jogo começou e 30 mil peruanos viram o Uruguai passear ainda no primeiro tempo: em pouco menos de vinte minutos, "Manco" Castro, Taboada e Ciocca fazem 3 a 0 para a "Celeste" e liquidam o jogo. Aos argentinos restou aprender um pouco com a classe de Nasazzi e Castro e aguardar pelo término da partida.

No dia seguinte, a imprensa uruguaia exaltou a técnica e a raça do time, cunhando um termo que até os dias de hoje é utilizado: "Garra Charrúa". Como forma de lembrar dos feitos daquela geração, no ano de 1991 a Associação Uruguaia de Futebol formalizou a adoção do segundo uniforme da seleção uruguaia com a camisa vermelha.

Foto do Uruguai Campeão Sul-Americano de 1935:







Crédito: La República (www.larepublica.com.uy)

Curiosidades:

- Os quatro times que fizeram parte do Sul-Americano de 1935 estiveram presentes na Copa de 1930. E além de Uruguai x Peru, Argentina x Chile reeditaram um confronto daquela Copa, jogo em que os argentinos venceram por 3 a 1;

- Alguns jogadores da Argentina que fizeram parte do time vice-campeão seriam reconhecidos como ídolos de diferentes clubes: Sastre fez história no Independiente e no São Paulo, Minella foi o técnico do River Plate nos tempos de "La Máquina" e Masantonio é até hoje o maior goleador da história do Huracán;

- Apesar de figurar nos registros históricos da Conmebol como Campeonato Sul-Americano, não houve entrega de troféu ao campeão;

- O campeão desse torneio se classificaria para disputar as Olimpíadas de 1936, em Berlim. No entanto, nem o Uruguai nem a Argentina compareceram, por questões financeiras. O Peru foi o representante do futebol sul-americano.