segunda-feira, 10 de março de 2008

Brunei: Rico em petróleo, pobre em futebol


Há um lugar onde as mulheres saem às ruas cobertas dos pés à cabeça, o calor é escaldante, existe uma grande concentração de petróleo e seu governante máximo é bilionário. Se você pensou em algum país do Oriente Médio, pensou errado.

Brunei é um país cujo território fica localizado ao nordeste da ilha de Bornéu, no Sudeste Asiático. A parte norte dessa ilha faz parte da Malásia, e a parte sul é controlada pela Indonésia. Encravado na parte malaia está o sultanato de Brunei, que, entre os séculos XIV e XVI, era muito poderoso. O país dominava toda a ilha de Bornéu e uma parte do arquipélago das Filipinas. No entanto, algumas disputas perdidas com a Malásia (então colônia do Reino Unido) reduziram substancialmente o território do país, resultando numa divisão em duas partes. A partir de 1888, o Reino Unido passou a colonizar também Brunei. Em 1984, finalmente, o país obteve a sua independência, e o regime de sultanato foi reinstalado.

Como o país está encravado no território malaio, os mais marcantes traços culturais de Brunei são a religião muçulmana, predominante na maioria da população, e a rigidez com que ela é seguida no país, exatamente como ocorre em seu único vizinho. Por conta disso, as mulheres do país são obrigadas a circular pelas ruas com a burca (vestimenta que cobre todo o corpo), e a venda de bebidas alcoólicas é proibida para os que professam os ensinamentos de Maomé. O petróleo é atualmente a maior fonte de renda do sultanato, o que coloca o país com uma das maiores rendas per capita do mundo. O sultão de Brunei, Hassanal Bolkiah, figura como um dos cinco homens mais ricos do planeta, com uma impressionante fortuna pessoal de mais de US$ 29 bilhões.

Uma seleção e um combinado

Fundada em 1956 sob o nome de “Brunei State Football Amateur Association”, a federação bruneiana de futebol só realizou o primeiro jogo oficial da seleção em 1972. Em jogo válido pelas eliminatórias da Copa da Ásia, Brunei foi derrotado pela Malásia por 8 a 0. Desde então, a seleção sofreu goleadas atrás de goleadas, como um 10 a 1 da China em 1975. A partir de 1983, a seleção passou jogar com mais regularidade, chegando a disputar as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986, na qual mais derrotas fragorosas aconteceram: levou 8 a 0 de Hong Kong e da China. Além disso, a seleção sempre contribui também com muitas derrotas na Tiger Cup, que reúne as nações do Sudeste Asiático.

No mesmo ano de 1983, a federação bruneiana de futebol montou um time, o Brunei M-League, para disputar a Copa da Malásia. Como não havia futebol profissional nem liga de futebol em Brunei, o país passou a disputar essa copa como se fosse um clube de Malásia. É bom salientar que o time montado pela federação permitia o ingresso de estrangeiros. Sendo assim, não se pode afirmar que a seleção nacional de Brunei participava de um campeonato de clubes.

Apesar de ter se filiado à Fifa em 1969 e à Confederação Asiática de Futebol um ano depois, somente em 1993 o futebol no país tornou-se profissional e a palavra ‘Amateur’ foi retirada do nome oficial da federação. Em 1999, ocorreu a maior glória do futebol bruneiano: o Brunei M-League venceu a Copa da Malásia contra a equipe do Sarawak e venceu por 2 a 1, com dois gols de Rosli Liman, considerado até hoje herói nacional no sultanato. Muitos habitantes de Brunei foram até a capital da Malásia, Kuala Lumpur, e lotaram o estádio para ver o combinado bruneiano na final.

Essa conquista deu ânimo aos dirigentes da federação bruneiana para tentar voar mais alto no futebol asiático. Assim, a seleção nacional foi inscrita para participar das eliminatórias da Copa de 2002. O resultado para Brunei não poderia ter sido mais desastroso: o time perdeu todos os jogos, não fez nenhum gol e levou a pior goleada de sua história, 12 a 0 para os Emirados Árabes.

Liga recente e time tipo ‘exportação’

Na esteira da Copa de 2002, a federação bruneiana decidiu criar a Brunei Premier League, reunindo os 12 melhores times do país e angariando o patrocínio de uma empresa multinacional do ramo petrolífero. Todos os jogos seriam realizados no moderno estádio Sultan Hassal Bolkiah, com capacidade para 30 mil pessoas.

No primeiro ano, o time do Duli Pengiran Muda Mahkota (ou DPMM, como é mais conhecido), faturou o título da temporada. A equipe é gerenciada por Al Muhtadee Billah, que é filho do sultão de Brunei e em algumas vezes jogava como goleiro do time. Com os recursos para trazer jogadores garantidos por ele, o clube sagrou-se mais uma vez campeão em 2004 e então foi convidado a disputar a Premier League da Malásia, a segunda divisão do país. Em 2005, garantiu o acesso à elite e também substituiu o Brunei M-League na disputa da Copa da Malásia. Os principais jogadores do time são o brasileiro Tiago dos Santos (vindo do Extrema, de Minas Gerais) e Shahrazaen Said, que foi um dos artilheiros da Super League na temporada passada, com 22 gols.

O sucesso da equipe, no entanto, não agrada nem aos bruneianos nem aos malaios. Por um lado, os bruneianos reclamam que o DPMM sempre contrata os melhores jogadores do país, esvaziando a liga local e levando os talentos dos times menores. Como a federação bruneiana não incentiva os clubes financeiramente, a liga local não se desenvolve, e a seleção também não. Com isso, Brunei não se inscreveu para disputar as eliminatórias da Copa de 2006 nem as de 2010. Apesar do incentivo ao futebol local ser cada vez mais escasso, nas sete últimas partidas que Brunei jogou houve uma melhora: duas vitórias, dois empates e três derrotas.

Além, a presença do DPMM na Copa da Malásia está com os dias contados. Por conta de uma forte pressão na Malásia para que somente os clubes malaios possam competir nas copas do país, a federação local comunicou que o DPMM está fora da Copa da Malásia, podendo disputar somente a Super League na próxima temporada.

Isso, no entanto, não significa que o DPMM voltará a jogar na liga de Brunei. E assim, esse país rico em petróleo continuará vivendo a estranha situação de não ter riqueza suficiente para segurar seu melhor time no campeonato do país.


*Texto de minha autoria publicado na coluna "Conheça a Seleção" do site Trivela

3 comentários:

Wilson Oliveira disse...

Brunei ficou durante séculos tendo um futebol amador, só tomando porrada nos jogos que seu combinado realizava. Quando se profissionalizou, teve um time maior que todos os outros, deixando o campeonato desproporcional. Vendo por esse lado, até que o Brasil tem seu lado elogiável no quesito organização.

Parabens pelo belo post, Anibal!
"O Doses de Futebol tambem é cultura".

Abraços........

Anônimo disse...

Admiro aqueles que fazem pesquisas tão aprofundadas sobre essas países tão longínquos para poder falar sobre as seleções deles para a Trivela. Deve ser muito trabalhoso.

E o resultado ficou muito bom.

Parabéns!

Sürwickwyyder disse...

Muito bom mesmo a pesquisa. Espero que vc reúna material para outros campeonatos como os do Usbequistão (Rivaldo e Felipe Scolari), por exemplo.